http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/boston/2008/01/03/ult583u343.jhtm03/01/2008 Segundo pesquisador, Graham Bell trapaceou ao inventar o telefone David Mehegan
Em Cambridge, Massachusetts "Senhor Watson, venha até aqui, quero vê-lo!". Este foi o mais famoso telefonema da história, feito em Boston, em 10 de março de 1876, por Alexander Graham Bell, inventor do telefone. Pelo menos, é isso o que diz a história. Mas e se as coisas não tiverem se passado dessa maneira? E se Bell foi, pelo menos em parte, uma fraude?
Essa questão perseguiu Seth Shulman, um jornalista científico de Northampton. Enquanto pesquisava a relação entre Bell e Thomas A. Edison, Shulman deparou-se com um desenho no caderno de anotações de Bell. O desenho o conduziu à surpreendente hipótese que se constituiu no cerne do seu novo livro, "The Telephone Gambit: Chasing Alexander Graham Bell's Secret" ("O Jogo do Telefone: Perseguindo o Segredo de Alexandre Graham Bell"). Se Shulman estiver certo, Bell roubou um croqui de um concorrente e encobriu os rastros da fraude pelo resto da sua vida.
"Foi algo que destoava tanta da história aceita que eu não soube o que fazer com aquilo. Pensei que talvez estivesse equivocado", disse Shulman em uma entrevista.
Segundo a famosa história, Bell e o seu confiável assistente, Thomas Watson, estavam trabalhando no projeto do telefone no endereço 5 Exeter Place (o local, perto da Chauncy Street, é assinalado por uma placa de bronze). Watson estava em um outro aposento, na extremidade da linha experimental, quando Bell acidentalmente deixou cair ácido sulfúrico na sua calça e disse, "Senhor Watson, venha até aqui, quero vê-lo". Watson correu eufórico para dizer a Bell que tinha ouvido a voz dele claramente por meio do receptor na outra extremidade.
Ao ler o caderno de Bell durante uma pesquisa realizada em 2004 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Shulman notou que o inventor estava trabalhando em outros desenhos, baseados em ímãs e baterias, até fevereiro de 1876. Ele foi a Washington em 26 de fevereiro e regressou em 7 de março, e no dia seguinte deu início a uma outra abordagem envolvendo uma agulha de platina e uma solução diluída de ácido sulfúrico em um copo. Dois dias depois, o aparelho funcionou.
Shulman perguntou-se: por que Bell abandonou subitamente as suas abordagens anteriores após a viagem a Washington? Ele foi a Washington para fazer frente a uma contestação à sua patente do telefone. Patente que tinha obtido, apesar de não ter apresentado detalhes finais do projeto, em 19 de fevereiro. A contestação estava contida em um documento confidencial do escritório de patentes, e foi feita pelo engenheiro Elisha Gray. O documento trazia o esboço da idéia do próprio Gray para o telefone. A inscrição para a patente de Bell e o documento de Gray (essencialmente uma advertência para outros inventores, notificando que uma pessoa está seguindo determinada linha de pesquisa) foram protocolados no mesmo dia, em 14 de fevereiro.
O poderoso advogado de patentes de Bell, contratado pelo rico financiador do inventor, Gardiner Greene Hubbard, de Cambridge, contestou a alegação de Gray. O escritório de patentes determinou que a inscrição de Bell chegara primeiro, e que portanto o documento de Gray não teria validade. Disso já se sabia há tempo. O que impressionou Shulman depois de ver o documento de Gray e o registro no caderno de anotações de Bell, datado de 8 de março, foi o fato de o desenho de Bell, com a agulha e o copo de ácido, ser quase que idêntico ao de Gray, incluindo o auto-falante separado do receptor. Embora Shulman jamais tenha encontrado uma prova verdadeiramente incontroversa, a impressão que ele teve, após pesquisar mais, foi de que o advogado de Bell induziu um oficial de patentes a mostrar o documento confidencial de Gray ou a descrevê-lo. A seguir o advogado teria passado a informação a Bell, que retornou a Boston e submeteu o projeto de Gray à prova.
De posse da sua evidência, pareceu a Shulman que outras coisas faziam sentido. Por exemplo, Bell jamais falou ou escreveu publicamente a respeito de como fez a sua descoberta. A história do ácido derramado foi contada pela primeira vez após a morte de Bell, por Watson, na sua autobiografia de 1926, "Exploring Life" ("Explorando a Vida"), e o caderno de anotações de Bell, com o desenho incriminador, ficou nas mãos da família do inventor até ser doado à Biblioteca do Congresso em 1976. Bell quase não participava das atividades da próspera companhia que tinha o seu nome e que o tornou fabulosamente rico, e sempre relutou em depor perante tribunais durante as contestações relativas à patente que se seguiram anos depois.
Seth Shulman, 48, nasceu em Nova York, foi criado em Cambridge e graduou-se pela Universidade Harvard em 1981, com uma tese em arquitetura. Após ter recebido uma bolsa para o estudo de jornalismo científico no MIT em 1985, ele tornou-se jornalista científico de tempo integral, contribuindo para o periódico britânico "Nature", para a "Time" e outras revistas. Ele escreveu quatro outros livros sobre ciência, incluindo "Unlocking the Sky: Glenn Hammond Curtiss and the Race to Invent the Airplane" ("Abrindo o Céu: Glenn Hammond Curtiss e a Corrida para Inventar o Avião").
Em 2004, ele recebeu uma bolsa do Instituto Dibner para a História da Ciência e da Tecnologia, do MIT (o instituto não existe mais). Quando descobriu o aparente ato de plágio de Bell, ele a princípio não quis publicar a notícia, e se deparou com o ceticismo de alguns dos seus colegas. Segundo Shulman, parte dessa hesitação deveu-se ao fato de saber que era o único jornalista "com conexões com tantos historiadores, sábios e professores eméritos tão importantes". Ele acrescenta que "acima de tudo, sabia que Bell era admirado. A idéia de desancá-lo não me agradava".
Shulman percebeu que vários dos seus colegas no Dibner eram fãs dos romances de mistério, o que o fez pensar sobre a história como sendo uma espécie de detecção. Nos mistérios de Sir Arthur Conan Doyle, era sempre o intelecto superior de Sherlock Holmes que resolvia os casos. Mas, à medida que Shulman investigava a história de Bell, ele começou a pensar mais segundo a tradição norte-americana do detetive como pessoa comum que torna-se obcecada por um problema, chega a diversos becos sem saída, sente-se constantemente confuso, questiona se está à altura da tarefa, mas que é muito inquisidor para desistir.
"Eu fui como Colombo", disse ele. "Esbarrei com esse fato intrigante, e realmente não sabia o que fazer com ele. Tinha a minha intuição de repórter, de forma que senti que havia algo de errado. Mas eu teria que fazer muitas coisas que nunca antes havia feito: pesquisar arquivos, ser bastante escrupuloso com os documentos - foi algo bastante cansativo". Alguns dos outros colegas do Dibner ajudaram-no e encorajaram-no.
Em uma ruptura drástica com os seus escritos anteriores, Shulman é um personagem do seu próprio livro, revelando as suas dúvidas e incertezas perturbadoras enquanto persegue os fatos. Uma das dúvidas diz respeito à questão do motivo.
"Não pude entender por que Bell fez aquilo", disse Shulman. "Sempre se escreve sobre ele como sendo um cara honesto, um paradigma absoluto de honestidade". À medida que estudava os registros, Shulman pôde verificar a pressão enorme à qual Bell estava submetido. Ele era um imigrante de 29 anos de idade que tentava obter fama como professor de dicção para surdos. Ele se apaixonou profundamente por Mabel Hubbard, 16, a filha surda de um rico investidor, para a qual dava aulas de dicção, e precisava desesperadamente de ter sucesso com a sua invenção (e de frustrar as iniciativas dos concorrentes) a fim de assegurar a fama, a fortuna fantástica e a mão da adorável Mabel. No final, tudo deu certo para Graham Bell.
"Ele era na verdade uma pessoa que buscava a ascensão social", diz Shulman. "Bell não tinha muito treinamento científico e nem pendores mecânicos, e não sabia muito a respeito de eletricidade. Ele conhecia acústica, mas era um conhecimento bem básico. Ele teve a experiência de conhecer a família de Mabel, de ver como eles viviam. Depois que os conheceu, isso teve uma influência enorme sobre ele".
Angela von der Lippe, editora de Shulman na W.W. Norton, que editou diversos livros científicos, disse ter achado a história "absolutamente fascinante". "É uma história de tecnologia", diz ela. "Mas é também uma história que consegue investigar os recônditos da mente humana e as motivações para a ciência, e também como as descobertas são feitas".
Shulman anda nervoso quanto à reação ao seu livro por parte de historiadores e cientistas, mas já recebeu palavras encorajadoras dos primeiros leitores.
"Acho que o livro foi muito bem feito", diz Leonard C. Bruno, especialista em manuscritos de ciência e tecnologia da Biblioteca do Congresso, que possui 147 mil documentos, muitos deles online. "Ele apresenta uma quantidade impressionante de evidências circunstanciais. O desejo de Shulman era deixar a verdade conduzí-lo para onde quer que fosse, e o saber acadêmico se fundamenta exatamente nisso."
Tradução: UO