quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Publicar mais, ou melhor? O tamanduá olímpico - Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Texto completo disponível em:
http://www.observatoriodauniversidade.blog.br/page3.aspx

Publicado originalmente na:
Revista Brasileira de Ciências do Esporte 29 (1): 35-48, 2007.

Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues
Professor Titular de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

O presente texto discute alguns dos critérios que os órgãos financiadores da pesquisa utilizam para escolher os projetos contemplados nas Ciências do Esporte, embora esta questão possa ser importante também para os cientistas brasileiros de outros campos do conhecimento. Observa-se que as transformações realizadas nos últimos anos nos sistemas de fomento e classificação dos programas de pós-graduação resultaram no aumento da produtividade científica brasileira medida pelas publicações indexadas no contexto internacional. No entanto, a pressão institucional quantitativa pela publicação pode estar induzindo a distorções de comportamento entre os cientistas, o que compromete o próprio sentido do fazer científico e o futuro da ciência no Brasil. Uma comparação entre o tamanduá e a ciência produzida pelos brasileiros pode ser útil no entendimento de algumas propostas de ação para a comunidade científica ligada às Ciências do Esporte.

(...)

Há qualidade na quantidade?

Independentemente da língua utilizada na publicação, no sistema de pontuação e classificação dos órgãos de fomento podem ocorrer distorções que causam injustiças e resultam em desânimo quando um cientista desconfia que foi desmerecido no processo. Para exemplificar, vamos observar dois casos reais.

O primeiro, vamos denominá-lo de Doutor A, recentemente classificado como pesquisador do CNPq no primeiro nível (I), com direito à bolsa e também ao chamado auxílio de bancada, ou seja, um recurso mensal para gastar em pesquisas, durante três anos. Observando-se sua produção científica extraída do banco de currículos da Plataforma Lattes[xi] no dia 22 de Dezembro de 2006, verifica-se que o Doutor A publicou 54 artigos de 2004 até aquela data, ou seja, um artigo e meio por mês, o que significa que ele deve ter concluído uma pesquisa e meia por mês para dispor de dados originais e resultados suficientemente relevantes para merecerem a atenção da comunidade, ou seja, serem publicados. Ou então, teria concebido uma nova teoria a partir de dados antigos, o que o tornaria um caso raro de cientista que cria novos conceitos importantes quase duas vezes por mês ao longo de três anos. Desta produção, no entanto, 31 artigos foram publicados numa revista na qual o Doutor A é o próprio editor! Entre os demais artigos de sua exuberante lista, aqueles melhores qualificados para disputar um lugar ao Sol na comunidade internacional foram apenas dois os publicados numa revista espanhola: no entanto, mesmo este periódico possui tão pouco impacto (não é em inglês...) que nem mesmo é considerado relevante pela coordenação dos programas de pós-graduação brasileiros[xii]. Não é preciso mais comentários para se perceber que o Doutor A optou por publicar cada vez mais ao invés de cada vez melhor. No atual sistema de pontuação, apenas com os artigos publicados na sua própria revista ele conseguiu 31 pontos, desbancando qualquer outro pesquisador que tivesse, digamos, no mesmo período publicado um artigo por ano na melhor revista internacional, que faria 3 x 8 = 24 pontos apenas, o que poderia significar para este último ficar de fora da lista dos contemplados com os recursos para sua pesquisa.

No segundo exemplo, também real e emblemático, o excepcional número de publicações desta vez acontece em inglês. O Doutor B, também da área da saúde, apenas dois anos após a conclusão do seu doutorado obteve sua classificação como pesquisador nível I no CNPq com um currículo impressionante (também obtido na Plataforma Lattes em 22/12/2006), no qual constam 57 artigos publicados em variadas revistas em apenas três anos, o que significa 1,58 artigos por mês, algo parecido com o que observamos na produção do Doutor A, mais uma vez sugerindo uma fantástica obtenção de resultados ou criação de novas idéias científicas mensalmente. No entanto, enquanto o Doutor A obteve seu doutorado há vários anos e já orienta muitos alunos em várias universidades, o que permitiria teoricamente a sua co-participação na autoria de diversos trabalhos realizados pelas várias pirâmides de produção científica (orientador – alunos de doutorado – de mestrado – de iniciação científica) nos diferentes locais, o Doutor B começou sua atividade de orientação muito recentemente. O mais incrível é que apesar de sua juventude científica os artigos do Doutor B tratam de uma impressionante quantidade de assuntos variados: 29 doenças diferentes, com algumas ligações entre si se as considerarmos englobadas numa especialidade médica suficientemente abrangente. Não citaremos as doenças ou a especialidade para impedir a identificação do Doutor B, uma vez que nossa intenção é demonstrar a distorção do sistema e não personalizar o problema. Como esperado, a sua participação como co-autor intermediário (nem o primeiro, - geralmente o mais envolvido com o trabalho, nem o último – geralmente o orientador) foi de 37% nos seus artigos indexados no sistema de procura científica PubMed[xiii], o que pode explicar em parte a profusão de artigos e temas, sem que saibamos o seu verdadeiro grau de envolvimento com o conhecimento produzido, o que se constitui numa deficiência do nosso sistema de citação de autores[xiv].

Para saber se talvez estejamos diante de um futuro ganhador do Prêmio Nobel, resolvemos comparar a produção dos Doutores A e B com, por exemplo, dois dos últimos agraciados em Medicina: Craig C. Mello (2006) e J. Robin Warren (2005). Se considerarmos a produção científica destes dois cientistas premiados, também a partir das publicações citadas no PubMed, observa-se que Mello apresenta 45 artigos em revistas indexadas no período de 16 anos, ou seja 2,8 por ano. Warren, por sua vez, nos últimos 56 anos aparece com 94 artigos, ou seja, uma taxa de 1,6 artigos por ano. Enquanto isso, o nosso Doutor B exibe no mesmo sistema de procura a impressionante cifra de 29 artigos em três anos, ou seja, mais de 9,6 publicações anuais, batendo de longe os dois ganhadores do Nobel. O Doutor A, como já vimos, não foi encontrado naquele sistema de procura.

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Um comentário:

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